As influências da Antropofagia no Cinema Brasileiro

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O Movimento Antropofágico foi uma manifestação cultural vanguardista que aconteceu durante a primeira fase do Modernismo no Brasil, composta no total por três fases. Se iniciou na primeira metade do século XX, através da Semana de Arte Moderna de 1922, que aconteceu em São Paulo. Para entender melhor o conceito do antropofagismo e como afetou o cinema brasileiro, é necessário primeiro explicar o contexto em que surgiu.

A partir de observações feitas pelo escritor brasileiro Oswald de Andrade durante suas viagens à Europa, após contato com o Manifesto Futurista, ​​do italiano Filippo Tommaso Marinetti, ele se inspirou nas vertentes de combate ao academicismo e às estéticas classicistas¹O Classicismo foi uma escola literária, inspirada na estética greco-romana, que teve seu apogeu durante o Renascimento. europeias – que eram vigentes com muita força no meio artístico daquele momento – encontradas no manifesto do italiano. Foi em 1 de Maio de 1928, na revista Antropofagia, do jornal Estado de São Paulo, que Oswald lançou o Manifesto Antropofágico.²Manifesto Antropofágico (1928), de Oswald de Andrade, em PDF: https://www.google.com/url?sa=t&source=web&rct=j&url=https://www.ufrgs.br/cdrom/oandrade/oandrade.pdf&ved=2ahUKEwi0y4ib9P79AhVTuZUCHaZkCugQFnoECBIQAQ&usg=AOvVaw3GsulddT5NMHHJjZkNWMO3

A publicação do manifesto aconteceu por causa da artista Tarsila do Amaral, que era esposa de Oswald, e o presenteou com a pintura Abaporu – que, segundo Tarsila, embasada num dicionário tupi, significa “homem que come”. O antropofagismo afetou várias áreas da arte, e não somente as artes plásticas e a literatura, que são as mais discutidas na mídia; influenciou também a música, o teatro e o cinema – objeto de análise nesse texto.

Da mesma forma que a cultura européia era o paradigma do mundo na década de 1920, o cinema norte-americano é posto como o exemplo a ser seguido para os cineastas ao redor do mundo. Ocorre, a partir daí, um processo antropofágico de consumo do melhor do cinema americano e junção e adaptação de seus elementos em histórias regionais. Na atualidade, é possível notar a antropofagia como processo elementar em filmes brasileiros mais recentes, que utilizam conceitos do movimento antropofágico como base – Aquarius³“Aquarius” (2016) é um filme nacional dirigido por Kleber Mendonça Filho. e Bacurau⁴“Bacurau” (2019) é um filme nacional dirigido por Kleber Mendonça Filho e Juliano Dornelles. são bons exemplos disso.

Se colocam com muita importância também as Chanchadas – gênero de filmes em que o cinema brasileiro fez adaptações dos musicais hollywoodianos e uniu-os e adaptou-os às realidades brasileiras, fazendo enorme sucesso de bilheteria. Apesar de marcar um dos períodos mais produtivos do cinema brasileiro, o gênero perdeu popularidade pelo desenvolvimento da TV no país, pelo surgimento do Cinema Novo⁵Cinema Novo é um movimento cinematográfico brasileiro, destacado pela sua crítica à desigualdade social que se tornou proeminente no Brasil durante os anos 1960 e 1970. e pelo desgaste de terem sido feitos muitos longas do tipo.

Os destaques para obras cinematográficas de fato antropofágicas ficam com ‘Macunaíma’ (1969), de Joaquim Pedro de Andrade, ‘O Anjo Nasceu’ (1969), filme pré-udigrudi de Júlio Bressane, e ‘O Rei da Vela’ (1982), versão cinematográfica da montagem que o Oficina fez da peça de Oswald.

A antropofagia se tornou um grande braço essencial do Modernismo brasileiro, cuja origem fora muito influenciada nas vanguardas burguesas europeias, mas que com o tempo foi se aproximando mais da realidade brasileira. Em 1955, estreou no Brasil o filme ‘Rio 40 Graus’, de Nelson Pereira Santos – considerado por pesquisadores como o fundador do maior movimento cinematográfico do país, chamado de Cinema Novo. Este gênero se propunha a fazer reflexões sobre o povo brasileiro e seu cotidiano.

A primeira fase desse movimento foi muito marcada pelo seu objetivo social, muito influenciado pelo Neorrealismo italiano do pós-guerra. Contudo, os diferentes contextos de cada fase tornaram o Cinema Novo muito plural em suas narrativas. Um exemplo disso foi que, em 1971 o diretor Nelson Pereira Santos estreou o longa ‘Como Era Gostoso O Meu Francês’, que conta a história de um mercenário francês – Hans Staden -, que foi aprisionado por indígenas da etnia Tupinambá no século XVI e foi morto para ser devorado pela comunidade através do ritual antropofágico. O longa foi lançado na terceira fase do Cinema Novo, também conhecida como a fase Canibal-Tropicalista. Nesse contexto, o canibalismo se torna literal no enredo desse filme!

Entretanto, a obra que ficou conhecida como a que tem mais características antropofágicas foi “Macunaíma”, que iniciou a terceira fase do Cinema Novo, quando o movimento já estava desgastado pelo golpe militar que instalou a ditadura no Brasil (1964), e pelas críticas feitas por cineastas eurocêntricos.

Atualmente, o cinema nacional tem vários filmes que tentam fugir das fórmulas dos longas estadunidenses, como por exemplo os premiados filmes ‘Aquarius’ (2016), ‘Carandiru’⁶“Carandiru” (2003) é um filme nacional dirigido por Héctor Babenco. (2003), ‘Cidade de Deus’⁷“Cidade de Deus” (2002) é um filme nacional dirigido por Fernando Meirelles. (2002), ‘Tropa de Elite’⁸“Tropa de Elite” (2007) é um filme nacional dirigido por José Padilha. (2007), ‘Que Horas Ela Volta’⁹“Que Horas Ela Volta?” (2015) é um filme nacional dirigido por Anna Muylaert. (2015), ‘Bacurau’ (2019), ‘Marighella’¹⁰“Marighella” é um filme nacional dirigido por Wagner Moura. (2019) e ‘Medida Provisória’¹¹“Medida Provisória” é um filme nacional dirigido por Lázaro Ramos. (2020).

Apesar dos filmes citados acima possuírem características antropofágicas, abordando críticas sociais, e serem mais artísticos do que comédias brasileiras genéricas, a ideia não se faz mais tão certamente pela lógica antropofágica de devoração. Mas sim por um sintoma da globalização, no qual empresas, visando lucro, fazem produções originais brasileiras nos streamings e nos cinemas.

As produções podem ter a intenção de retomar o antropofagismo também, mas não é pensado apenas neste aspecto. O que é levado em consideração primeiramente vai ser sempre o lucro. Na tentativa de agradar o público brasileiro, diferenciar seus catálogos a de outras marcas de streaming, conseguir novos assinantes e declarar que valorizam a cultura nacional.

Isso acontece porque vivemos em uma sociedade capitalista, onde o lucro é sempre visado. E a indústria cultural produz conteúdo em massa, para a maior quantidade de pessoas possível, portanto ela segue os interesses atuais do público. Então esses valores antropofágicos podem se perder com o tempo, por causa do interesse de consumo das pessoas, que muda ao decorrer dos anos.

Quando filmes, séries, animes, novelas, quadrinhos, livros, videogames e músicas abordam assuntos de defesa dos direitos humanos, isso não ocorre porque a indústria cultural é boa e quer espalhar a informação, mas sim, porque vende e existe mercado lucrativo. Se a sociedade boicota esses conteúdos, a indústria para de produzir, o que explica o constante cancelamento de séries com protagonismo sáfico¹²Sáfica é um termo guarda-chuva para falar de todas as mulheres/pessoas trans femininas que se relacionam com mulheres/pessoas trans femininas, independente da orientação sexual delas.  em diferentes plataformas de streamings. Como a sociedade é patriarcal, o relacionamento entre dois homens é melhor aceito do que entre duas mulheres, que é visto como vulgar e ligado ao feitiche masculino, como se fossem objetos sexuais à disposição dos homens.