Exemplos de quando a aura do Modernismo foi feita de herança para a música brasileira

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Movimento influenciou diversos momentos da música.

 

O movimento Modernista, por si só, nasceu com aura transgressora e fez com que enxergássemos, de certa forma, uma ponte, onde não só o elitismo era visto como arte. Como em uma mecânica de ruminação, o que era considerado tradicional, aos moldes da época, era engolido, mastigado, porém, colocado para fora, como algo novo; renovado.

Na música brasileira não foi diferente. O exemplo mais clássico disso é a figura de Heitor Villa-Lobos, considerado o maior maestro da história da música brasileira. Podemos dizer que Villa-Lobos vivia o modernismo antes mesmo de adentrar entre os importantes nomes do movimento. O músico apaixonou-se pelo choro, ritmo popular que passeava pela população mais pobre na época. Começou a estudar violão escondido dos pais, que eram contra a imersão do músico em áreas mais populares.

Ainda assim, Villa-Lobos foi contra tudo e todos e ficou na história ao unir o popular ao erudito em obras como “Trenzinho Do Caipira”. O maestro nos mostra que, na música e na arte em geral, o melhor não é segregar e, sim, unir. Este conceito foi de certa forma uma herança para a música nacional, que passou a unir classes, raças, brasilidades e também o que era de estrangeiro.

 

A criação da MPB

A MPB é uma das mais factíveis provas de que a música brasileira virou uma grande mistura a partir do século XX. O Lundo e a Modinha, ritmos respectivamente africanos e portugueses, era o que se ouvia antes de serem usados como referências para a criação do Choro e do Samba. Nesta ramificação, foi incorporado o Jazz Americano e, sendo assim, a Bossa Nova.

Como em tudo na vida, o caráter político social tem importância imensurável e, possivelmente em todas as grandes reviravoltas da música, ele tem de ser considerado. Como nem tudo são flores, a sofisticação emergida pela Bossa Nova causou impacto negativo dentro da União Nacional dos Estudandes (UNE), que julgava o estilo como elitista e burguês. A organização defendia a exclusão das influências externas na música brasileira.

Foi então que uniu-se o Samba à Bossa Nova em uma nova denominação: a MPM MPM – Música Popular Moderna – que, depois, por influência dos grandes nomes como Chico Buarque, Milton Nascimento, Caetano Veloso e outros, tornou-se naturalmente a MPB – Música Popular Brasileira.

O marco inicial desta que pode ser a mais longeva revolução musical brasileira, foi a apresentação de Elis Regina no Festival de Música Popular Brasileira, em 1965. Na ocasião, a cantora interpretou “Arrastão”, faixa de Edu Lobo e Vinicius de Moraes.

E por que a MPB tem sido a revolução mais longeva? Simplesmente o estilo incorporou e incorpora até hoje outros estilos para dentro dele. Foi assim com o rock inglês, a música latina, o forró, carimbó, baião e muitos outros que, se fossemos falar aqui, daria um verdadeiro livro.

 

Tropicalismo

Considerado como o movimento mais intenso em contraposição à Ditadura Militar que iniciou em 1964 no Brasil, o Tropicalismo é a pura herança do Modernismo na música brasileira. Com faixas contestadoras, diferentes, estranhas e incorporadas a influências diversas e externas, o tropicalismo buscava retomar características nacionais em uma arte primorosamente brasileira.

Não por menos, o movimento é considerado por muitos estudiosos como o último suspiro do Modernismo, tendo em vista que influenciou diversas camadas da sociedade, como o cinema e as artes plásticas.

O choque referente ao tropicalismo não diz respeito apenas ao confronto à Ditadura, mas também à mistura aos elementos elétricos (guitarra e baixo) nas canções, o que, de certa forma, era visto como um disparate aos moldes tradicionais brasileiros.

O simbolismo concreto deste ato é a inclusão do trio paulistano Mutantes, que era formado por Sérgio Dias, Arnaldo Baptista e Rita Lee ao disco “Tropicália Ou Panis Et Circenses”, marco não só para a música brasileira, mas também para a música mundial.

 

Punk e pós-punk

Se engana quem pensa que o antropofagismo parou no Tropicalismo. O punk rock brasileiro, que nasceu nas periferias de São Paulo, trouxe a revolta de uma população jovem periférica aos padrões da sociedade e também do mercado fonográfico. Não existiam regras para ter uma banda punk; não era necessário saber tocar nenhum instrumento e nem cantar com primor. Foi também um movimento que influenciou não só a música (tendo inclusive desaguado no pop rock brasileiro dos anos 80), mas também na moda e no comportamento.

O movimento, altamente influenciado por referências externas como The Clash e Ramones, chocou o Brasil, em muitas vezes por enquadros errôneos da mídia tradicional. Mas foi com o punk que nasceu também a indústria independente de música; a mídia underground, com os fanzines. Bandas como Inocentes, Ratos de Porão, Condutores de Cadáver e diversas outras, brotavam, faziam festivais e shows lotados. O ponto negativo, claro, eram as brigas de gangues e a violência. Reflexo de uma sociedade dividida, dos resquícios da Ditadura, que ainda era amada por uma fração da população, e pelo confronto contra grupos com fundamentos nazistas, como os skinheads. Tudo, claro, nos leva ao contexto político social.

Como nada paira no ar, o punk foi a base para o pós-punk, que, de forma mais alternativa, também pintou no Brasil com bandas como Voluntários da Pátria, Smack e Mercenárias. Diferente do punk, as canções tinham mais elementos, embora sem a virtuose de longos solos de guitarra. Existia a liberdade de inclusão de mais instrumentos e de poesias mais filosóficas. Outra vertente foi a new wave, que vinha em uma embalagem mais pop de grupos como Kid Abelha, Gang 90 e As Absurdettes.

 

A antropofagia no pop rock brasileiro

Ira! em foto de divulgação

O punk, o pós-punk e a new wave desaguaram no que conhecemos como pop rock brasileiro. As bandas que surgiam, como Titãs, Paralamas do Sucesso e Legião Urbana, bebiam de todas as fontes, em especial no começo de suas carreiras.

Mas ainda existia espaço para o comer e vomitar de um novo momento da música. Da metade para o final dos anos 80, algumas das bandas passaram a experimentar novos sons, batidas e vibrações. Os Paralamas, com o disco “Selvagem?”, de 1986, trouxe o reggae calcado em metais para suas faixas. Já a paulistana Ira! trouxe, além do reggae, o rap, além de samplers no disco “Psicoacústica”, de 1988.

Mas vale dizer que tudo isso foi um luxuoso prefácio para o que viria a surgir nos anos 90.

 

Como fica o nordeste nisso?

Chico Science e Nação Zumbi em foto de divulgação

Após o tropicalismo, muito provavelmente o movimento que mais herdou características do modernismo foi o manguebeat. Uma banda de Recife (PE) teve a ousadia de misturar rock ao frevo, maracatu e samba reggae. Quem fez isso, inicialmente, foi Chico Science e Nação Zumbi, que revolucionou a música brasileira com uma potência poucas vezes vista antes.

A batucada formada por um excelente time de percussão causava impacto quando junta das guitarras e das letras poderosas entoadas por Chico Science. Daí nasceram outras bandas, como Mundo Livre S/A, Sheik Tosado e muitas outras.

A mistura de ritmos nordestinos ao rock também invadiu o sudeste, principalmente com a formação dos Raimundos, banda que logo alcançou sucesso nacional, além de bandas muito originais que surgiram na época, como Pato Fu, Skank e Autoramas.

 

Nos dias de hoje

Baianasystem / divulgação

Atualmente, a efemeridade da indústria do entretenimento, como um todo, deixa de lado a riqueza que o movimento modernista nos ensinou ao trazer de forma mais profunda misturas que enriquecem a arte do nosso país. Dentro deste contexto onde a música tornou-se praticamente um item de publicidade e é consumida como fast food, existem artistas e bandas que se salvam e que nos apresentam algo mais genuíno.

Dos anos 90 pra cá, o rap foi o que mais fez isso, com grupos como Racionais, RZO e, mais recentemente, com Emicida e alguns outros nomes. Fora do estilo, podemos citar a BaianaSystem, que traz letras inspiradas em uma mistura de rock e pagode baiano. No mais, temos visto nomes surgirem e morrerem, além de um senso de nostalgia forte que nos leva a uma repetição de estéticas passadas.

 

Ouça a playlist: A herança do modernismo na música brasileira

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Um respiro com Buava…

Buava (@buavax)

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