Os dois estudantes de fotojornalismo da FAPCOM – Faculdade Paulus de Tecnologia e Comunicação -, Victor Lorenzo e Gisele Farias, visitaram uma mostra fotográfica no Instituto Moreira Salles, em São Paulo, em março de 2023: a exposição “Xingu: Contatos”. Tendo ambos captado elementos fundamentais da mostra que os levaram a dissertar sobre o uso da linguagem audiovisual pelo povo do Xingu e, posteriormente, pelas comunidades indígenas, no geral, como ferramenta de resistência da causa originária, a presença de seus relatos/resenhas sobre a visita à mostra aqui nesta edição se tornou imprescindível, pois, como compreender e criticar o mito modernista instaurado em São Paulo sem levar em conta as formas de resistência dos que foram devorados pelos modernistas? Tal como essa linguagem fundamental na captação de nosso tempo histórico, social, artístico e midiático: o audiovisual. Por isso a divisão dessa experiência em duas partes: uma para a expressãode cada visitante a respeito da experiência vivida e do conteúdo da mostra.
Comecemos com a de Victor Lorenzo:
A DISSEMINAÇÃO DO AUDIOVISUAL COMO PAPEL PROTETOR DOS POVOS ORIGINÁRIOS
Quando pensamos na relação entre o homem da cidade e os povos originários, logo surge uma ideia de separatismo, que de fato ocorre há séculos. A exposição “Xingu:Contatos“, com curadoria de Guilherme Freitas e Takumã Kuikuro, mostra o que é preciso fazer para que essa ideia seja abandonada e a devida importância a esses povos seja levada em conta: estreitar as relações de forma que tenham oportunidades de acesso que permitam a comunicação e expressão artística.
A exposição permite logo em seu início por meio de vídeos e áudio-relatos, percebe-se a importância da comunicação dos povos originários com o exterior. Segundo Takumã Kuikuro, um dos curadores, o intuito do registro dessa cultura é perpetuar a memória do meio em que vive: “… a gente luta para manter sempre nossa cultura viva, através do audiovisual…”, diz.
Nos primeiros relatos apresentados por meio de vídeos, é possível observar a necessidade de tornar o audiovisual acessível à cultura originária, de forma que seu ponto de vista e seus desejos em perpetuar a memória sejam compartilhados, ao mesmo tempo em que exercem um papel educativo. As fotografias dos irmãos Villas-Bôas em terras originárias, em sua expedição ao Xingu, desfaz o mito colonialista de “primitivismo” criado pelo homem branco e atua como papel aproximador entre os povos originários e outras culturas.

Com essa acessibilidade, ao poder de comunicar através dos próprios meios sobre suas origens, a cultura originária perdura até os dias atuais: “Sou pesquisador, fui atrás de imagens do meu avô… Narru Kuikuro, pioneiro do Xingu. Lutou pela demarcação de terras indígenas e recebeu Villas-Bôas. Foi o primeiro índio a falar português no Xingu, quero mostrar como ele lutou pelo Xingu”. O exercício de comunicar partindo do indígena como interlocutor agrada aos mais velhos da comunidade. Segundo eles, é a principal forma de ensinar às novas gerações o legado das lutas que surgiram durante a existência do território (dentre as citadas durante a exposição, está o embate sobre a construção do trecho da BR-242 em território Xingu).
Diante desse contexto de luta para perpetuar as memórias de um povo, a mostra parece dialogar, de forma educativa com o observador. Em uma primeira parte é possível perceber o início dos contatos com o homem branco e a tonificação de suas relações. Logo em seguida, a perspectiva dos indígenas é apresentada ao visitante por meio de produção audiovisual de cineastas, fotógrafos e pesquisadores originários.
Essa relação entre diferentes momentos comunica ao visitante um esforço árduo que teve início em 1961, com a demarcação e nomeação do Parque Indígena do Xingu. Trata-se de uma oportunidade única para refletir sobre a importância da disseminação do audiovisual na criação artística e expressão dos povos originários de forma ao combate às fake news e estereótipos voltados para a comunidade indígena.
Piratá Waura, cineasta indígena, discorre sobre os objetivos da mostra e alguns dos papéis importantes para seu povo: “eu vejo muitas pessoas vindas de fora da aldeia e mostrando o seu olhar… E nesse momento mostramos nosso olhar indígena, que conhecemos muito bem e por isso o audiovisual é muito importante para os povos indígena. Desde a colonização as manchetes e noticiários contam nossa história de forma diferente… Estamos aqui para combater a fake news, as mentiras que foram contadas sobre nós. Por isso é muito importante que comunicadores indígenas estejam fazendo essa exposição”.

É válido lembrar a atual crise brasileira em relação ao povo Indígena Yanomami, esta que evidencia uma desordem sanitária, geográfica, ambiental e sociocultural para os povos e reitera a carência de uma comunicação efetiva e humanizada entre governo e as comunidades indígenas.
Passado o seu primeiro estágio, mais videográfico, a mostra parte para o diálogo através de imagens e relatos verídicos que sustentam a luta das comunidades, a produção de documentação por parte do homem branco e a indispensabilidade de uma história que seja contada por quem a viveu. Nessa segunda parte, registros feitos no fim do século XIX por não indígenas são contrapostos com as produções de origem indígena. Imagens do surgimento de movimentos incentivadores são retratadas pelos membros da comunidade.
Oficinas, centros de documentação e até formação audiovisual são exibidas na exposição. Esse registro consegue dialogar com o que foi apresentado no início da exposição: algumas videografias mostram projetos atuais de criação indígena, onde são retratados os problemas estruturais que enfrentam e a perspectiva de memória que esses projetos trazem para a comunidade.
Numa visão geral a exposição retrata bem o início dos contatos de povos originários do Xingu com o homem branco, a relação inicial de exploração a esses povos e seu contexto histórico. A mostra é um convite a essa reflexão sobre a origem dos povos indígenas, seus interesses, anseios, intempéries e violência dentro dessa luta e propõe a inserção do audiovisual como uma ferramenta protetiva das comunidades indígenas, dado o atual momento abalado das comunidades originárias devido aos abusos e explorações sofridos nos últimos anos dentro do Brasil.