(imagem de um painel abstrato com fundo na cor preta com presença de rajados e feixes de luz curvilíneos nas cores vermelho, amarelo e verde no canto esquerdo e um rajado branco no centro da imagem. No lado direito da imagem se contrapõem paralelepípedos. Acima do painel, um céu azul com nuvens.
Lua Damasceno, 2023

Pessoas, I.A’s e imagens: do que vamos alimentá-las para nos alimentar?

Audiotexto

Quando começamos a fazer esse texto nos impusemos uma restrição, mesmo sem saber, para que o texto trouxesse certezas. Ele se iniciou estritamente descritivo, e para falar a verdade, estritamente morno. Ainda não tínhamos acertado a nossa busca. O objetivo era compreender o que é moda e arte 101 anos após a Semana de 1922 – esse momento tão emblemático na história da arte brasileira. Começamos a discutir o que mudou nesse tempo em termos de contextos e intuitos, relacionando os processos da imagem e, mais ainda, os ESPAÇOS de produção e circulação de imagens, fazendo essa ponte temporal entre a Semana e o que vem sendo construído até 2023. Em vigor, vivenciamos uma hiperconectividade em que o espaço físico e digital coexistem nos processos de produções artísticas. Um agente de interação entre esses dois lugares tem sido a Inteligência Artificial, que possibilitará uma espécie de antropofagia online e offline, como aprofundado ao longo do texto. 

(Imagem de um campo aberto, no centro uma casinha vermelha com telhado branco, e outras duas casas em tons alaranjados nos cantos superiores da imagem, possuem telhados de mesma cor. Existem alguns vultos na coloração preta, próximos as casas. E uma figura humana no canto direito da imagem próximo a borda. Na perspectiva, ao fundo, outros campos abertos com o que parecem ser outras casas. O céu está azul em um tom de anoitecer ou amanhecer.)
Lua Damasceno, 2023

Entrevistamos, trocamos e aprendemos com vários profissionais citados nesta matéria, a fim de entender mais os processos de Inteligência Artificial e essas tecnologias envolvidas nas produções visuais. Forçando uma reflexão crítica sobre o assunto, ela só veio quando começamos a, de fato, construir as redes com aqueles que entrevistamos. Nisto, houve um ápice em um evento particular com o nosso parceiro Lua. Antes de falarmos da situação ocorrida, vamos contextualizar esse trajeto. Sem respostas prontas, já que, afinal de contas, a ideia é abrir mais janelas e explorar mais dúvidas.

Sobre espaços

Falamos aqui de espaços físicos, temporais, de acesso e de formação de identidade. Relacionando os três pilares: moda, Semana de Arte Moderna de 1922 e inteligência artificial, encontramos o ponto de convergência justamente nos espaços: que espaços foram e estão sendo esses? Quem transita neles? Como são as produções nestes lugares e como elas são recebidas? 

Pensando na Semana de Arte Moderna, que acontece no mês de fevereiro de 1922 e habita o Theatro Municipal de São Paulo, destacamos que aquele finito e escasso círculo social, em um evento elitista, diz respeito a um sistema fechado, institucionalizando o que será validado na arte para ocupar aquele local e momento.

Mas diferente da Semana, atualmente não precisa haver um espaço físico de legitimação para que as vozes desses artistas sejam anunciadas e proclamadas por eles mesmos. Mais do que esperar por um grande evento, há imagens brasileiras em 2023 que se concretizam em diversos momentos que coexistem em uma rede, nas minuciosidades de diversos contextos.

(Imagem de uma matéria de jornal, com título e chamada, com palavras e letras que não formam sentido e não comunicam verbalmente. Abaixo da chamada, existe uma imagem de um espaço amplo e simétrico, fotografado de forma central. O espaço possui elementos como colunas e arcos em sua arquitetura. Ao fundo da perspectiva, de forma central há uma estrutura semelhante a um altar, a qual recebe uma iluminação em relação ao resto do espaço. Nas paredes, dispostas nas laterais, estão pendurados quadros, o que parece fazer das paredes, espaços expositivos de arte. Todo o local está permeado por uma iluminação vermelha.)
Lua Damasceno, 2023

Potencial de democratização, dependendo de como entendemos (e se entendemos) as tecnologias

O digital nos parece então apresentar a POSSIBILIDADE de democratização a partir de mais territórios para habitação dessas imagens e artistas, mas não nos garante uma democratização. E é a partir daí que nos encontramos em uma encruzilhada.

(Imagem de um papiro envelhecido com ação do tempo sobreposto por uma imagem digital, uma fotografia de uma igreja escura, permeada por bancos de madeira e influenciada pela ação do tempo, isso porque, está tomada por algumas estruturas que morfologicamente são similares a estruturas rochosas em tons de bege e terrosos, dispostas no centro da imagem . Ainda no centro da imagem existem também, formas abstratas no tom de vermelho, aparentemente sobrepostas a imagem, como especie de marca luminosa ou tintura.)
“uma fotografia ultra realista de médio formato de 1985 com a perspectiva abstrata. na foto final a maior representação sobre diversas peças mistas sobre a revolução nas ruas com a democratização da arte. prophoto rgb”
Lua Damasceno, 2023

Entrevistamos no dia 28 de março o pesquisador e artista visual Bruno Moreschi e perguntamos a ele se as novas tecnologias podem auxiliar a democratizar obras e produções de artistas que foram invisibilizados e são invisibilizados no meio da arte. Sobre isso, Bruno diz que “Existe uma potência e acho que devem existir em muitos projetos e ações que acontecem nesse sentido. […] O que eu acho é que esse processo que você está falando é possível sim em teoria – que a tecnologia pode ajudar a aumentar um pouco a diversidade, expressões artísticas no compartilhamento de ideias, etc. Isso é possível. Acho que tá na própria lógica de redes. Agora, o que eu acho que a gente tem que assumir é que isso não significa dizer que a partir das ferramentas comerciais que a gente tem hoje, é assim que isso vai ser feito. Acho que não vai ser.”

Bruno aponta que não podemos esquecer que usamos ferramentas comerciais nessas conexões [digitais] e que estas ferramentas têm fins comerciais. “[…] no fim das contas, se você for pensar quando você abre seu Instagram, você tá todo dia consumindo coisas muito parecidas. Todos os dias, inclusive, vendo as mesmas pessoas. Então […] o quanto isso é diverso? Não é nem um pouco diverso. Aliás, é o contrário, […] criam-se bolhas, criam-se feudos de certeza onde a certeza habita ali e legitima ela mesma. […] Então essa possibilidade [de viabilizar a democratização de produções artísticas] existe, mas ela não vai ser entregue pelas empresas; pelas BigTechs. […] A gente vai ter que pegar essa ferramenta e transformá-la. Para isso, a gente vai ter que quebrar esse código e construir uma outra coisa”. 

Então, lendo esse cenário na interação humanos e I.A. e o que construiremos a partir dessa relação, entendemos que é necessário colocar uma luz sobre algo que não pode ser ocultado. Se não dimensionarmos os processos das tecnologias que usamos – antes, durante e depois de usá-las – então o que estamos construindo e para quem?

 

Lembrete: as potências tecnológicas vêm das potências humanas

Refletir sobre o que sustentamos e o que consumimos nessa grande rede é, portanto, não sucumbir ao que nos foi predestinado – alienação pelos processos tecnológicos que podem controlar as nossas subjetividades. Para entender mais sobre esses processos que tomam partes da nossa vida – qual é a fonte dessa fonte de pesquisa (I.As) -, perguntamos a Moreschi sobre com quem a inteligência artificial está aprendendo: “[…] ela é alimentada e treinada por dados que a gente produz de alguma maneira. […] Por um lado, os dados que treinam a I. A. são um pouco reflexo da nossa sociedade. Por outro lado, isso é uma verdade, mas também não é uma verdade absoluta porque esses dados que estão treinando I. A. são dados, sim, que fazem parte da esfera social, mas ela […] não dá conta de toda a sociedade e não dá conta da multiplicidade das coisas. […] Nós temos muitos dados na internet, mas ao mesmo tempo a gente tem um problema muito sério de representatividade nesses dados. […] Por um lado, é um pouco reflexo do que a gente é, incluindo até a exclusão de muitas das vozes e de muitas das opressões que não são legitimadas por essa mesma sociedade que a gente faz parte. Então o problema dela é também um pouco o problema do jeito que a gente construiu essa sociedade.”.

 

O futuro e o passado são ensinados hoje

Assim como provavelmente Oswald, Mário, Anita, entre outros nomes, não sabiam que estariam formando uma semana que duraria 101 anos e contando, como instiga Fred Coelho em “A semana de cem anos”, atualmente não sabemos quais parâmetros estamos criando e quais são as consequências do que está sendo gerado e da forma que está sendo gerado para o futuro, seja da arte, da moda e da humanidade em si.

(Imagem de um jornal, com três colunas de escritos e título, em letras que não formam palavras ou sentido. No centro há uma imagem de dois homens sentados em uma mesa, os dois são semelhantes, usam óculos, são caucasianos e possuem pouco cabelo, ao seu lado está disposto um quadro, um retrato de um homem semelhante à imagem dos dois)
Lua Damasceno, 2023

Estamos vivendo em uma pluralidade com milhares, senão milhões, de mini universos artísticos, com códigos e referências em si mesmos. Criamos futuros, no plural, a todo instante, a partir do presente que existe, ao mesmo tempo que criamos outras possibilidades de passados, presentes e futuros para serem encontrados. Mas de onde vem a necessidade de criar e habitar essas possibilidades de universos? Ao pensarmos quais têm sido essas atmosferas, dentro da produção de imagem via I.A., percebemos  como temática constante a reimaginação de passados bem como a visualização de futuros utópicos e distópicos. As inteligências artificiais facilitam a criação desses universos que há tempos estamos tentando construir à base do desprendimento da nossa realidade cotidiana – as I.A.s são em si um cosmo novo a explorar.

 

1-Imagem da série de imagens ‘’Walking on water THE YEAR OF THE FISH’’, a imagem se trata de um desfile de moda no qual o tema é peixes e o próprio ambiente aquático. A passarela está tomada por água e os convidados estão sentados em volta dela. Ao centro há uma estrutura branca com escamas e filetes semelhante a um coral ou animal aquático. No centro da imagem, parte da passarela, na qual as convidadas do desfile estão sentadas de costas para a perspectiva da imagem, assistem o desfile com roupas exuberantes com texturas que fazem igualmente referência ao mesmo tema e ambientação do desfile. Ao fundo no canto superior esquerdo observam-se holofotes que iluminaram a passarela e refletem na água.2- Imagem em escalas de preto e branco que revela com mais detalhes o momento do desfile no qual as modelos desfilam na passarela. A passarela está no centro da imagem e coberta com uma pequena quantidade de água que cobre apenas os pés.Como figura central, uma mulher veste roupas simples e está sentada em cima de um enorme peixe, alegórico. Mais ao canto da imagem, em perspectiva, outra modelo está cruzando a passarela. A plateia assiste o desfile no canto direito e holofotes iluminam refletindo na água3- Imagem ambientada no mesmo cenário da imagem 2, agora em cores, em tons de esverdeado e perolado, ilustram outro momento de desfile. No canto esquerdo, uma modelo de pele preta está de costas para a perspectiva da imagem. A modelo veste um vestido que tem a parte de cima em texturas metálicas e pontiagudas, enquanto a saia do vestido tem formas arredondadas e volumosas. A modelo usa uma peça de cabeça ornamental que simula a forma e movimento da água. A parte de trás da passarela possui uma decoração em forma circular com texturas similares as do vestido, igualmente arredondadas e esbranquiçadas, similares a corais aquáticos.4-Imagem aproximada de 3 modelos femininas submersas na água até a altura do colo. A primeira modelo na perspectiva tem pele preta, cabelos presos para trás com uma peça de cabeça lateral na cor azul perolado, similar a forma de uma concha quebrada. Sua feição é tranquila e seu rosto está levemente maquiado. Está vestindo uma blusa gola alta transparente em tons de lilás com aplicações de jóias metálicas que lembram pérolas. A segunda modelo está levemente atrás da primeira na perspectiva e possui pele clara com cabelos crespos e castanhos levemente presos. Seu olhar está direcionado à primeira modelo, seu rosto está sóbrio e levemente maquiado. Está vestindo o que parece ser um vestido com o colo em tule transparente com busto metálico. A terceira modelo veste um traje similar a segunda. Possui o tom de pele médio e é careca, tem olhos azuis e seu rosto está levemente maquiado também. 5- No mesmo ambiente de passarela que a Imagem 3, agora uma imagem mais aproximada da plateia do desfile. 3 modelos estão sentadas a frente da perspectiva, do lado direito a mais próxima a perspectiva está sentada diagonal, aparentemente assistindo ao desfile que ocorre a sua frente. Possui pele clara e cabelos castanhos claros que tem formatos ondulados similares a corais ou escamas. Seu traje tem o mesmo tom de seu cabelo e possui escamas que se transformam em duas golas amplas e arredondadas que possuem formato de nadadeira. Ao seu lado esquerdo mais atrás a perspectiva, uma modelo aparentemente asiática que veste um vestido prateado. Ao seu lado uma mulher preta com tom de pele retinta, seu cabelo está preso, no seu rosto um óculos. Ela veste um conjunto social de blazer cinza claro. É possível ver ao fundo a continuação da passarela, água abundante em um tom escuro. 6- Imagem que possui a mesma ambientação da imagem 4, agora em tons mais escuros. Existem 6 figuras humanas principais, submersas na água até a altura da cintura, as modelos vestem vestidos, blazers, com texturas, brilhos e volumosos, em suas cabeças, acessórios de cabeça transparentes que se assemelham à forma da água.7- Ambientação similar a imagem 3. Imagem de uma modelo posicionada ao lado direito da imagem, na frente da perspectiva, apesar da interrupção da visualização devido a um espectador do desfile, que está pouco a frente dela na perspectiva. A sua volta 3 outras mulheres vestindo vestidos de látex preto estão submersas até o torso. Atrás delas na perspectiva, o resto da plateia está disposto, onde é possível visualizar também holofotes que iluminam as modelos e criam reflexos na água, é possível também ver no lado esquerdo, uma câmera apontada para as modelos.A modelo principal, ao lado direito da imagem tem cabelos platinados, olhos azuis e uma feição agressiva e intensa. Sua cabeça está envolta por um acessório branco que envolta da cabeça simulam o que se parece com nadadeiras, em cima de sua cabeça há uma forma de um animal aquático, possui olhos e escamas na mesma coloração. Sua roupa parece ser uma continuação das texturas da peça de cabeça, um vestido com formas orgânicas circulares salientes em tom de branco, misturadas com escamas brilhosas.8- Imagem em um ângulo aberto, mostrando toda a passarela, que agora não está com água no nível do torso, mas de forma superficial. Do lado esquerdo da imagem, a plateia está sentada assistindo uma das modelos posicionadas no centro da imagem, ao fundo da perspectiva. A modelo está sentada em uma alegoria circular-oval com uma forma abstrata mas que tem estrutura de um trono, apesar de redondo, esse, que possui texturas similares a corais, só que em acabamento de cerâmica fosca na cor marrom acinzentada. A modelo está sentada, sua roupa parece uma extensão da alegoria e tem mesma cor e textura similar. Seu cabelo é platinado, curto e volumoso, com cachos abertos. Sua feição está tranquila, apesar de seu rosto estar distorcido na imagem.9-Imagem com ambientação similar a imagem 8. Agora com outra alegoria no meio da passarela, um grande arco similar a um portal, em tons de branco perolado, com formato de algo que parece ser um dragão aquático ou uma figura mitológica. No centro do arco, um rosto, da criatura. Na frente do arco, mais a frente na perspectiva, uma modelo de cabelo platinado com cabelo preso em um rabo de cavalo, em uma pose de perfil a perspectiva. Ao seu lado 3 modelos do lado esquerdo e 1 do lado direito, tem diferentes etnias e características físicas. Mas todas vestem as mesmas roupas. Um colete geométrico prateado parecendo um objeto de proteção, e calças muito amplas e circulares no tom de pérola, com texturas lineares. A passarela está coberta com água até os joelhos e tem formato também circular. Ao lado direito observa-se a plateia, e no centro, uma câmera. 10- Imagem em tons mais escuros e amarelados, da passarela, com dezenas de modelos posicionadas de costas a perspectiva formando duas filas, uma no lado direito e uma no lado esquerdo, todas as pessoas estão posicionadas de costas a não ser uma das modelos que ocupa o espaço entre as duas filas na passarela. A passarela está coberta por água na altura da panturrilha e possui enormes estátuas de animais aquáticos que parecem uma espécie misto entre cobra e felino.

11-Imagem amarelada e escura similar a Imagem 11, do lado direito da imagem, uma modelo que ocupa a frente da perspectiva está em pé e veste um vestido com ombreiras que fazem referências a nadadeiras, e sua extensão possui escamas e formas orgânicas, ao seu lado a plateia está posicionada. Ao centro e ao lado esquerdo da imagem, modelos estão sentadas na passarela que está superficialmente coberta por água. O cenário é similar a um auditório e possui arcos redondos que compõem uma estrutura tanto de teto quanto de parede.

1Acima uma série de imagens ‘’ Walking on water THE YEAR OF THE FISH’’ as quais retratam diversas cenas de um desfile de moda fictício com tema de peixes e criaturas aquáticas. As imagens se passam em uma passarela submersa em água, e nas extremidades das passarelas, dispõem-se bancos em que os convidados estão sentados. Os convidados vestem roupas que contém escamas, transparências, formas orgânicas que fazem referências a conchas e elementos aquáticos. As cores da série transitam entre cores frias(azuis, lilás e brancos), e também quentes que vão entre marrons, amarelos, laranjas e sépias) Nas fotos, ora as modelos desfilam em cima de grandes peixes que flutuam pela passarela, tanto quanto em estruturas redondas ornamentais que possuem texturas que referenciam corais. Mas também desfilam por si só, semi mergulhadas na água, exibindo seus troncos que possuem elementos visuais exuberantes.

O fotógrafo e designer imagético Cassio Meireles (@cassiussssss no instagram) conversou conosco em entrevista sobre as possibilidades para o futuro da arte a partir da inteligência artificial. Cássio recentemente criou uma série de fotografias geradas em I.A chamada “The future running to the left’’, e nos contou sobre algumas repetições que encontrou pelo caminho:

Existem padrões que se repetem, na própria expressão das pessoas nas imagens geradas. Já pensei sobre esse lado filosófico; sobre as I.As representarem expressões mais tristes, vazias. Nada mais representa o que é de mais atual: as pessoas estão mais tristes, tirando menos fotos sorrindo. […] Óbvio que você pode colocar nisso muita interação! Meu irmão uma vez falou ‘nossa, mas ninguém sorri?` Aí eu falei “ah não, agora eu preciso fazer uma imagem de alguém sorrindo’’.

1- Imagem de 2 figuras humanas femininas no centro da imagem. Do lado direito uma garota jovem preta com cabelo crespo, dividido em dois coques, vestindo uma camisa polo listrada por dentro de uma saia branca, com mochila nas costas. Ao seu lado esquerdo uma figura extraterrestre pouco maior do que a menina, seu corpo com características humanas, exceto sua cabeça, que é azul e avantajada, com traços sobrenaturais e extraterrestres. A fotografia tem características vintage, com cores de fotografia analógica, com leve neblina no ar.
Cassio Meireles- O futuro correndo para a esquerda
2- Na imagem, três figuras humanas femininas de pele preta estão caminhando para a esquerda em cenário com ruas largas, em uma atmosfera suburbana, com casas típicas estadunidenses. As personagens usam vestimentas brancas, macaquinhos. A fotografia possui cores e uma nitidez nebulosa de uma lente analógica. A terceira figura humana está no canto direito da fotografia e usa um capacete branco em referências espaciais e extraterrestres.
Cassio Meireles- O futuro correndo para a esquerda
3- A imagem é composta por uma fila de meninas que estão dispostas de frente para a fotografia, em posição reta. A fila é composta por 4 figuras humanas, de diferentes etnias, que vestem roupas pretas justapostas ao corpo e botas pretas de cano médio e curto. Ao lado das figuras humanas, está disposta uma figura extraterrestre que está vestida com uma peça interiça de latex que na parte do tórax e braços ganha texturas de ranhuras. A peça se imenda com a cabeça, que se trata de um capacete oval totalmente coberto, em mesma textura do látex, liso e brilhante.
Cassio Meireles- O futuro correndo para a esquerda
4- Na imagem 7 meninas estão dispostas em diferentes planos da imagem, atravessando um cruzamento na calçada, todas no sentido da esquerda para a direita. Todas vestem vestidos curtos com saias rodadas em uma cor clara, que reflete a luz presente na foto, que atravessa a imagem e reflete no asfalto no centro da foto. As personagens estão todas de salto, e numa gestualidade semelhante a uma dança, isso porque, estão capturadas em movimento, muitas vezes na metade de uma passada, ou no ar.
Cassio Meireles- O futuro correndo para a esquerda

Entendemos então que estamos em um fluxo em que a I.A. é um sintoma da sociedade, mas construímos nela também a nossa ideia de sociedade. Cássio conta que também teve a vontade de não retratar cenários solitários, e por isso todas as personagens estão em duplas, casais, nunca sozinhas; toda composição de imagem pensada para não construir imaginários coletivos que visualizam um futuro pessimista.

Na construção da realidade dentro das Inteligências Artificiais como espelhamento da realidade fora delas, vale o questionamento: do que vamos alimentá-las para nos alimentar?

 

Experimentações: buscando representações e repetições na I.A.

A fim de entender esse processo entre “com o que alimentamos a inteligência artificial e o que ela nos dá a partir disso”, tivemos contato com o designer imagético e fotógrafo Lua Damasceno, que topou estar conosco para gerar imagens via I.A., de forma experimental e dentro de sua identidade artística, nos expondo quais foram os caminhos traçados para a geração daquela imagem. Por caminhos, entende-se os prompts, que são os comandos imputados durante o processo criativo das imagens, e  que geram dados imagéticos para o usuário. As plataformas de inteligência artificial utilizadas durante os experimentos foram Midjourney e o DALL-E. 

De início expusemos a pauta da matéria. 

Trouxemos à superfície o exercício de imaginação de espaços onde a arte é produzida e quem são as figuras humanas que os habitam.

Em seguida, fomos apresentados a imagens que iam de uma percepção abstrata dos termos imputados por Lua a imagens que nos pareciam conter relações curiosas e equivocadas acerca do assunto. 

A situação [colocada no começo deste texto] que nos atravessou e tangibilizou para nós a relação de I.A. com sociedade acontece nesse momento. 

Iremos inserir na íntegra o relato de Lua:

fotografia de médio formato de 1990 ultra realista com os conceitos básicos da realidade brasileira e como o mesmo branco acumula todo o poder retirando a vertente real do país”

prompt infelizmente escrito. Talvez de forma forçosa para que a inteligência nos mostrasse uma faceta sua tão humana – não será mostrada aqui. Os processos que envolveram o visualizar dessa imagem acessaram partes sombrias e a única coisa que causou foi dor. Imagem nítida e com todos os detalhes de forma e cor, puderam representar o apagamento de história do povo preto pelo sentir de superioridade dos branc*s. ^Um retrato em médio formato com um busto negro vestindo regata simples de cor clara, ao fundo 3 cores em listras. o rosto? branco. A realeza básica (rosto //genérico) com todos os aspectos comumente associados à nobreza. Os cabelos loiros se envolvem num movimento de coroa, há certos pontos de brilho misturados ao fio. A expressão contempla paz, uma livre expressão de não culpa. Os cuidados e os acessos estão à frente do rosto, o rosto acima do corpo. A inteligência beirando o infantil sobrepôs um fato de forma visual. Usou a literalidade pra dar forma. Até onde ir? Guiar a criar o onde as palavras se fazem mais pela falta? Descrevo esse texto com confusões e incertezas se os métodos fazem sentido dentro dessa AI e dentro dessa rede onde criam e dizem ter lugar. Busco muitas vezes pela escassez no sentido para que a lacuna seja o ponto principal de uma obra. (Desvinculando este final com a problemática da imagem que descrevi acima). Ódio.”

Paramos e olhamos a questão. Decidimos conjuntamente não expor a imagem gerada, que por artifícios visuais espelha algumas relações de imagem e poder que possivelmente permeiam o imaginário coletivo ainda hoje. O experimento foi necessário para a construção de algumas visões mais realistas e palpáveis sobre o uso de I.A. para a criação de imagens. Não expusemos a imagem gerada pois acreditamos que esta nem deveria ter sido impressa da forma que foi pela Inteligência Artificial. Mas, com tal processo, é válido dizer que as plataformas de geração de imagem via inteligência artificial têm se mostrado expoentes no estudo dos reflexos da sociedade no que tange a imagem humana. Estamos vendo humanos usando máquinas para retratar humanos, e isso nos diz mais sobre nós do que sobre as máquinas, por mais que o espaço digital permita a produção de imagens fantásticas (no sentido de fantasia), não está descolado das estruturas da realidade.

1-(Imagem de um menino preto de pele retinta ocupando a parte central e frontal da imagem, ele está vestindo um boné virado para trás na cor vermelha bem como a jaqueta corta vento brilhante com um logo amarelo no lado direito da jaqueta. No rosto, um óculos espelhado numa referência juliet-oakley, e um sorriso exacerbado. Atrás e ao lado do garoto, uma multidão de pessoas com rostos menos detalhados e mais distorcidos do que do garoto. Ao fundo é possível ver um cenário urbano com prédios.)
Lua Damasceno, 2023
2-(Imagem de uma menina criança, preta com cabelos crespos encarando um mapa que faz referência a morfologia do continente africano, mapa este, que está disposto na rua na altura do olhar, como um mapa de sinalização. O cenário de uma rua larga de paralelepípedo e casas simples com pinturas brancas, marrons e azuis, uma delas contém uma bandeira nas cores preto, amarelo e verde. O céu está azul ao fundo.)
fotografia de médio formato de 1990 ultra realista com os conceitos básicos da realidade brasileira e como o mesmo branco acumula todo o poder retirando a vertente real do país e dificultando os diversos processos dos verdadeiros artistas emergentes. foto representada por um dinamismo de lugar habitado pelos ancestrais que permeavam o terreno. foto profissional rgb em 24mm 1080×1080

 

O Modernismo foi um toque de alarme. Todos acordaram e viram perfeitamente a aurora no ar. A aurora continha em si todas as promessas do dia, só que ainda não era o dia.” (ANDRADE, 1972, p. 189, apud COELHO, 2021, p. 32)

 

101 anos e 101 dias após a Semana de Arte Moderna de 1922, nos preparamos para o próximo dia.

 

(Imagem em escala de pretos e brancos. Na imagem, 11 vidros quadrados que tampam uma abertura. Pela abertura, vazam feixes de luz que invadem, do centro para as extremidades, o espaço, que diz respeito a 4 paredes pouco refinadas, com marcas. O chão possui alguns resíduos e lixos.
Lua Damasceno, 2023

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Giovanna (ela/dela). Pesquiso sobre antiespecismo e arte. Sou professora para os cursos de graduação de design e de moda, mestranda em Estética e História da Arte pelo PGEHA USP, especialista em História da Arte, e bacharel em Design de Moda. Trabalho com Comunicação, com ênfase em Comunicação Visual na área editorial.

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Lucas Okuda, (@lucasokuda)- ele/dele
Tenho 21 anos, sou diretor criativo, designer imagético, stylist.
Tenho 1,70 de altura, cabelos pretos compridos e ondulados quase sempre soltos ou trançados, olhos arqueados, de ascendência japonesa.
Acredito fiel e fortemente em dinâmicas colaborativas e humanizadas. Meu trabalho se articula, visualmente, acerca da elevação de pessoas LGBTQIA+ à um imagético do divino-terreno
Falo sobre extravagância, ancestralidade, luxo afastado do centro e busco através do meu trabalho devolver o que minha criança queer não pôde ter.

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Lua Damasceno (@luansce e @superfisce) ele/dele. de são paulo, 24 anos, filho único e aficcionado pela ideia de me relacionar. tenho estatura baixa, cabelo crespo com as laterais raspadas, olhos castanhos e unhas compridas. apaixonado por imagem e criação de visuais que expressam algumas amarguras.. sempre num querer de resgatar e revisitar ambientes que me causam desconforto. através de um novo olhar pela passagem dos anos e experiência, encontrei um local de paz mesmo inundado pelas questões que me atingem. fotógrafo e designer imagético, por meados de 2016/2017 iniciei uma série chamada superfisce onde retrato pequenos detalhes em locais enimaginados e destorço um pouco o que seria a visao real do que viria a ser uma visão claro de vida no mundo.

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