Foto por Pedro Biava

PL do Marco Temporal: um etnocídio de caráter neocolonial, com Marcos Morcego

Aprovado pela Câmara dos Deputados em 30/05 sob alegação de Regime de Urgência, o Projeto de Lei 2903/2023, conhecido também como PL do Marco Temporal, segue em tramitação pelo Senado: projeto visa a extinção do direito de demarcação de terras aos povos originários a partir de 1988.

Manifestação na Rodovia Bandeirantes do povo Guarani Mbya do Pico do Jaraguá | foto por Pedro Biava.

O Projeto de Lei 490/2007, renumerado como PL 2903/23 no Senado, que está em tramitação no Congresso desde 2007, foi aprovado pela Câmara dos Deputados no dia 30/05. Conhecido também como PL do Marco Temporal, o PL 2903 tem como principal finalidade a restrição ao direito de demarcação de terras pelos povos originários do Brasil àqueles que conseguirem comprovar de alguma forma que ocupavam respectivos territórios na data de 05 de Outubro de 1988, data da oficialização da Constituição vigente e, portanto, de uma democracia recém-renascida que se recuperava dos danos causados pela Ditadura Militar (1964-1985), período em que, segundo o relatório da Comissão Nacional da Verdade (2014), ao menos 8.350 indígenas foram mortos em massacres, esbulho de suas terras, remoções forçadas de seus territórios, contágio por doenças infecto-contagiosas, prisões, torturas e maus tratos e, assim como o recém estado democrático, os povos indígenas em 1988 também se encontravam em situação de extrema vulnerabilidade e recuperação de um período desumano, longe de qualquer tipo de estabilidade que se possa fazer pensar na época como uma “situação exemplar” para ser seguida e retomada atualmente.

É por este motivo que, sendo a demarcação de terras o principal direito da população indígena por ir ao encontro justamente de sua principal causa, os grupos de luta anticolonial indígenas, indigenistas e apoiadores da causa se põem todos fundamentalmente contra o PL 2903, que, segundo vídeo oficial da APIB (Articulação dos Povos Indígenas do Brasil), é uma máquina de moer história.

 

Demarcação de terras atualmente
Foto por Pedro Biava

A FUNAI (Fundação Nacional dos Povos Indígenas) é o órgão responsável, atualmente, pelo processo de demarcação de terras, que é realizado com a atuação obrigatória de equipe técnica multidisciplinar – o que inclui ao menos um cientista da área da antropologia. A regulamentação da terra, em estágio superior ao realizado pela FUNAI, fica a cargo do Poder Executivo (Presidência da República e Ministérios).

O território brasileiro conta com 764 áreas em diferentes estágios do processo demarcatório, sendo 448 dessas já regularizadas e mais 31 em situações diversas – isso tudo além de 598 terras que, segundo o Conselho Indigenista Missionário (Cimi), foram reivindicadas por indígenas mas ainda não receberam nenhuma providência para regularização, totalizando assim 1.393 terras indígenas até o momento.

Foto por Pedro Biava
O que é o PL 2903?

De início, a proposta é retirar da FUNAI a responsabilidade de realizar o processo de demarcação através de análises técnicas e estudos, concedendo tal responsabilidade, assim como a da própria regulamentação, ao Poder Legislativo (Congresso Nacional) – que é composto majoritariamente por Deputados e Senadores integrantes da Frente Parlamentar Agropecuária (FPA), ou bancada ruralista, representantes de ações em benefício da elite agropecuária brasileira, sejam elas constitucionais ou inconstitucionais – como é o caso do PL 2903.

O texto defende que apenas os povos que consigam comprovar que viviam legalmente em tais territórios na data de 05/10/1988, ano da promulgação da Constituição, é que devem permanecer com a posse desses territórios.

Isso significa que todos os processos de demarcação de terras e os avanços dessa, que é a principal luta dos povos originários do Brasil, sejam completamente desconsiderados a partir de 05 de Outubro de 1988. A aprovação desse PL, portanto, acarreta no fim das demarcações de terras e na desconsideração de todas as terras que já foram demarcadas após 1988, contendo no texto também a permissão para entrada e permanência das Forças Armadas e Polícia Federal nestes territórios para a retirada à força dos povos que ali vivem.

Contém no texto ainda a permissão de exploração hídrica, energética, mineração e garimpo, expansão da malha viária – caso haja interesse do governo – ficando também liberado o cultivo de plantas geneticamente modificadas nessas terras indígenas, além do contato com povos isolados em territórios de “utilidade pública” – termo chave do texto original do PL que especifica quanto poder o Estado passa a ter em territórios indígenas, passando por cima de princípios indigenistas fundamentais, dispostos na própria Constituição Federal, a partir dos quais o Brasil deveria seguir para assegurar o mínimo de integridade à sua população nativa.

Quais as consequências da aprovação do PL?
Foto por Pedro Biava

Logo de cara, mais de 300 territórios que estão em processo de regularização pelo Poder Executivo serão desconsiderados, e as pessoas que neles vivem serão retiradas pelas forças do Estado Brasileiro.

O aumento no desmatamento, no garimpo ilegal e na produção de transgênicos também aumenta com a diminuição da propriedade de terras por comunidades indígenas. Segundo o estudo “Fatos sobre o papel das terras indígenas na proteção das florestas”, da organização MapBiomas, dos anos 1990 até 2020, apenas 1% da área de vegetação nativa de terras indígenas foi perdida pelo avanço do desmatamento no Brasil, enquanto nas áreas privadas a perda foi de 20,6%.

Ainda existe em curso no processo de aprovação do PL 2903, segundo o graduando de Ciências Sociais pela USP e apresentador do podcast Caverna do Morcego, Marcos Morcego, “o reforço de uma das políticas mais sanguinárias que nós já tivemos”.

Uma expressão do neocolonialismo

Perguntamos a Morcego sobre as características neocoloniais desse PL 2903 e sobre como isso nos leva de volta a um passado não tão distante. “O neocolonialismo não vai ser a repetição da escravidão. Mas vai ser a composição de forças de poder e político que trazem elementos do colonialismo, isso desde a estrutura da sociedade (tentativa de diminuir a mobilidade social); mas também em um padrão de acumulação, em que as massas do povo são colocadas nessa posição de ganhar pouco, terem fácil substituição e alguns grupos serem o que Lélia Gonzalez chama de descartáveis para o sistema.”, disse Marcos sobre o neocolonialismo em si, completando ainda com um adendo importante: “essa expressão do Estado – neocolonial -, é vista muito fortemente nos países dependentes.”.

“Desde o surgimento do colonialismo, aqui no Brasil, até os dias de hoje, a terra é centro de discussão, pelo lado dos poderosos a partir de expulsão, morte, contratação de grileiros, com isso vindo de políticos e de empresários do agro. O fato de isso ser uma construção empreendida no colonialismo, tendo a sua permanência no capitalismo neoliberal, e de uma forma na qual todos esses massacres e expulsões ocorridas antes da constituição de 1988, tornaria elas normais e até corretas (moralmente falando); mas a lei não bateria nelas, então juridicamente é a aprovação do neocolonialismo; e do ponto de vista econômico a gente teria o aproveitamento de grandes latifundiários.”, compreende Morcego acerca do PL.

Foto por Pedro Biava
O que fazer?

Na luta anticolonial dos povos indígenas que perdura até os dias atuais e, diante do PL do Marco Temporal e de sua aprovação no congresso majoritariamente ruralista, é preciso haver estratégias por parte dos povos indígenas e dos grupos simpatizantes da causa de combate a essa empreitada neocolonialista de um Congresso bem representado pelos interesses da elite do agronegócio – a Frente Parlamentar Agropecuária (bancada ruralista) ocupa 158 cadeiras na Câmara. Morcego destaca alguns pontos que devem ser focados nessa luta. “Para combater o neocolonialismo é preciso, antes de tudo, entender a estruturação dos Estados neocoloniais e de onde vêm essas forças de poder. [Também é importante] se colocar ao lado das forças que são atacadas diariamente, que nos dias de hoje temos no foco os povos indígenas, quilombolas e assentamentos (especialmente do MST); portanto, ajudar no enfrentamento direto. Ao mesmo tempo que deve se pensar e colocar nessa luta a construção de algo que supere o Estado neocolonial, que não é algo estranho ao capitalismo, mas como ele necessita se adaptar para certos países dependentes.”.

A Relativa se posiciona veementemente contra os abusos da elite agropecuária para com os povos originários brasileiros. Pela perspectiva deste meio, neocolonos ainda têm importância no país e ocupam lugares de decisão no cenário político e econômico brasileiro, e, posta enquanto meio anticolonialista, a Relativa abomina o posicionamento dos referidos neocolonos em tais lugares, bem como abomina o Projeto de Lei 2903/23.

Segue, portanto, uma lista de alguns perfis pelas redes sociais e organizações que divulgam e se nutrem da causa anticolonial e mobilizam seus apoiadores:

 

@apiboficial

@coiabamazonia

@campanhaindigena

@apoinme_brasil

@indigenasdorn

@casaninjaamazonia

@levanteindigena

@midiaguaranimbya

@yvyrupa.cgy

@midiaindigenaoficial

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Cursa jornalismo na FAPCOM (SP) pelo ProUni e trabalha na área de comunicação desde 2019, se move em prol da luta socialista. Gabriel também é escritor de microcontos no projeto Minimacontos e de contos fantásticos no projeto Universo Expandido Odyssey - Experiência Odyssey. Também tem trabalhos musicais lançados no YouTube, Spotify Deezer e todas as plataformas - nos gêneros de Novo MPB e Rap, uma de suas fontes de consciência de classe mais longevas. Estudante de escola pública por toda a vida e morador da Zona Norte da capital paulista, Gabriel vê a comunicação como uma ferramenta de luta política e social, e então surge a Revista Relativa - uma revista digital e socialista. F.S é de Ferreira da Silva.

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