Prédio da ETEC do Parque da Juventude, antigo Pavilhão 4 da Penitenciária do Carandiru | registro autoral

Saúde mental: o tormento psicológico que é o sistema carcerário paulista

Ex-detentos e carcereiros relatam como está a sua saúde mental após situações de negligência estatal, abusos e humilhações dentro do ambiente prisional paulista.

Parte frontal da Penitenciária Feminina da Capital – Carandiru, São Paulo, em registro autoral.

Nas últimas 30 décadas o sistema prisional Paulista vem se mostrando um intermédio entre a tortura e privação de liberdade, tornando-se ineficaz em sua principal função: a reintegração social de pessoas privadas de liberdade. Desde o massacre do Carandiru (1992) até os dias atuais não houve muitas mudanças significativas no sistema penitenciário, isso porque a cultura brasileira é preconceituosa em relação a esse grupo social. Isso é evidente quando analisamos a frase dita pelo ex- presidente da República, Jair Messias Bolsonaro, para uma coletiva da Revista Voto: 

“Eu sei que a cadeia é a antessala do inferno. E quem se preocupa com sua integridade física não deve querer entrar lá, porque o bicho vai pegar. Mas prefiro que a vida deles seja um inferno do que a do pessoal aqui fora.” Na coletiva, havia vários empresários e simpatizantes do discurso e dos ideais do ex-presidente.

Há anos, pessoas que estão reclusas de liberdade têm se queixado da falta de dignidade com que são tratadas dentro das cadeias em São Paulo. “Era desumano. Eles bagunçavam tudo o que a gente tinha, fazia a gente ficar só de cueca”, diz Biel, ex-detento de 28 anos de idade preso em flagrante por tráfico de drogas. Os abusos psicológicos e humilhações são evidentes e comumente praticados com a intenção de apresentar de maneira agressiva e manipuladora um poder sobre algo ou alguém. Dessa forma, estabelece-se uma política hierárquica dentro do ambiente prisional.

O descaso evidente nas prisões é responsável pela criação da maior facção criminosa do Brasil, o PCC, que surge em meados da década de 90 com o intuito de combater a opressão dentro do sistema prisional. Desde então, o monopólio da facção controla o sistema carcerário de maneira que evite possíveis rebeliões entre os detentos, mantendo a organização prisional. Porém o poder policial e estatal ainda são proeminentes no ambiente, e a falta de investimentos o mantém na precariedade.

Em um contexto tão atual quanto, num levantamento de 2021 (época da pandemia de Covid-19) os relatos são de que a situação se agravou no interior das unidades. “Houve um período em que a grande maioria dos presos apresentou sintomas relacionados à Covid-19, como febre, dor de cabeça e dificuldade de respirar. No entanto, eles não receberam atendimento médico e ainda relataram que em alguns casos foi ministrada apenas medicação analgésica. Quando os presos solicitavam atendimento, eram espancados pelos policiais penais”, constata o relatório de inspeção feito pelo Mecanismo Nacional de Combate à Tortura. Houve quase 450 mortes causadas pelo novo coronavírus no sistema prisional. “Os guardas, às vezes com raiva, sei lá, acordou de mal humor, ia lá cortava a água, cortava a luz, deixava a gente o dia inteiro sem luz. Atrasava a marmita, deixava duas, três horas a marmita parada lá esperando para estragar para nós comer estragada”, relata Juninho, ex-detento, preso duas vezes por assalto.

O sistema penitenciário é responsável por causar danos mentais não só para prisioneiros, mas para carcereiros também. As cenas brutais, a baixa remuneração salarial, a convivência prolongada com a criminalidade e a desprofissionalização para o local podem ser consideradas problemáticas psicossociais para esses trabalhadores, que acabam muitas vezes desenvolvendo transtornos neurológicos. Maria Edileuza, ex-carcerária no Presídio Feminino da Capital, conta: “Era um lugar bem difícil para trabalhar, viu. Lá teve muito caso de suicídio”. Quando questionada sobre a qualidade de vida na penitenciária, Maria diz: “Na medida do possível, porque pra elas lá nunca era bom”.

Foto autoral, 2023, P.F.C de Santana

Drauzio Varella, no livro ‘Estação Carandiru’, oferece um panorama interno sobre a situação dos carcereiros que atuavam no ambiente prisional. “Os carcereiros levavam uma vida dura. O trabalho feito por eles era de serviços clandestinos, sem direitos trabalhistas. Jornada de trabalho interminável. A ausência da casa desarticula a rotina familiar, destrói casamentos. Para aguentar a tensão inerente à atividade e o cansaço das noites, muitos abusam da bebida. Alcoolismo e obesidade são doenças prevalentes entre guardas de presídio”.

Os ex-detentos, ao serem questionados sobre sua saúde mental, se mostravam acostumados com a tamanha violência vivenciada nos anos em que ficaram reclusos; vêem como uma realidade as experiências suportadas por eles.

Apesar das vivências serem muito opostas, o ambiente penitenciário afeta o emocional de todos os envolvidos, sendo um medo diário dos encarcerados para com os carcereiros e, em muitos casos, dos carcereiros para com os encarcerados.

Autor(es)

Vitória Rosendo
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