A produtora audiovisual da extrema direita brasileira “Brasil Paralelo”, amplamente acusada de disseminação de desinformação, é confrontada pelo projeto Brasil Parasita
Dia 1° de abril de 2024: aniversário de 60 anos do golpe militar de 1964 no Brasil, dia da mentira e data do lançamento da iniciativa Brasil Parasita, de combate à desinformação produzida e propagada pela produtora audiovisual de extrema direita “Brasil Paralelo”. No vídeo manifesto da iniciativa Brasil Parasita, Kenji, o criador de conteúdo científico do canal de YouTube “Normose”, apresenta o Brasil Parasita como um ecossistema de criadores de conteúdo que se apoiam sobre materiais científicos sérios na sua produção, e a principal finalidade do projeto é combater a desinformação produzida e financiada por organizações como a produtora Brasil Paralelo – o foco da iniciativa.
Fundada em Porto Alegre, em 2016, por Lucas Ferrugem, Henrique Viana e Filipe Valerim, jovens formados na Escola Superior de Propaganda e Marketing, a Brasil Paralelo se apropria da missão de “resgatar os bons valores, ideias e sentimentos no coração de todos os brasileiros”. Se definindo institucionalmente como uma empresa de mídia independente, a BP se orgulha de não receber “nenhum tipo de financiamento de partidos, políticos, movimentos, leis, etc.”, e o texto continua no site, “Desde a fundação da empresa, nunca recebemos e nunca receberemos nem mesmo um real do dinheiro público.”. É sobre essa sustentação que a Brasil Paralelo veste a si mesma a alcunha de “independente, apartidária, produtora de histórias alternativas e imparciais”.

Paralelamente, o grupo, cujos sócios fundadores não negam ter tido um tipo de mentoria especial com Olavo de Carvalho, personalidade importante na construção do discurso da extrema direita no Brasil desde os anos 80, afirma, por indicação do próprio Olavo, que “não pode deixar de lado essa coisa da militância”. Henrique Viana, autor da frase em palestra, se refere a uma outra missão não tão explícita no site da empresa: a de construir e solidificar senso e atitude de militância da extrema direita na população brasileira. Para conseguir efetivar sua missão, a produtora conta com gastos de R$ 368 mil em divulgação de produtos no Google AdSense (tanto no Google quanto no YouTube) no último ano, sendo a empresa que mais gastou em impulsionamento de conteúdo político do Google no Brasil, além dos notórios R$ 22 milhões em impulsionamento de conteúdos na Meta de 2020 até 2024, também liderando o ranking, seguida logo pela Secom (Secretaria de Comunicação Social) – órgão oficial de comunicação do Governo Federal -, que gastou R$ 10 milhões, menos da metade, no mesmo período. Se em 2020 o faturamento anual da empresa foi R$ 30 milhões, atualmente é de R$ 130 milhões, contando com 180 funcionários, 500 mil assinantes no seu serviço de streaming paralelo, além de um conselho formado por alguns sócios minoritários especiais da BP. Entre eles, o empresário Leandro Ruschel, bolsonarista ligado ao mercado financeiro, e Jorge Gerdau, dono de uma das maiores siderúrgicas do mundo e responsável por aconselhar o trio de sócios fundadores da Brasil Paralelo sobre como agirem diante da associação do grupo aos personagens investigados na CPI da Pandemia, que pediu a quebra dos sigilos bancário, fiscal e telefônico da empresa.

João Cezar de Castro Rocha, Professor Titular de Literatura Comparada da UERJ (Universidade do Estado do Rio de Janeiro) e pesquisador da extrema direita no Brasil, caracteriza o discurso produzido pela corrente denominada “olavista”, fruto da produção de Olavo de Carvalho e base na qual a Brasil Paralelo se sustenta, como “Retórica do Ódio”. Castro Rocha lê o Olavismo como precedente e com relação lógica direta com o fenômeno bolsonarista, no que ele avalia se tratar de um “sistema de crenças” cujo modus operandi, de caráter bastante religioso, consiste na disseminação do ódio contra os supostos inimigos da humanidade: o comunismo e os comunistas. João Cezar remonta a história desse discurso ao período da Ditadura Militar no Brasil, onde vigorou o IPES (Instituto de Pesquisas e Estudos Sociais), um dos principais responsáveis pelas conspirações contra João Goulart e pela legitimação do golpe no senso comum, através de produção de estudos e pesquisas falsas. Segundo o professor Castro Rocha “O IPES era antes o que o Brasil Paralelo é hoje. O IPES preparou o Brasil para a tomada de poder; a BP prepara o Brasil para a perpetuação do poder.”, conclui. Na época da ditadura, no entanto, as universidades foram o terreno perfeito para o florescimento do pensamento crítico contra o regime, e por isso o inimigo agora tinha nome e CEP: eram estudantes, professores e gestores universitários, e o local eram as universidades. A título de exemplo, Lucas Ferrugem, um dos sócios fundadores da BP, diz que, para ele, “noventa e tantos porcento dos professores e estudantes das universidades no Brasil são estelionatários”.

A Brasil Paralelo e sua produção são alvos de muitas críticas, principalmente por parte do meio acadêmico. O principal método de autodefesa da Brasil Paralelo a essas críticas é a via judicial – é comum a prática de assédio jurídico aos críticos da BP, principalmente do meio acadêmico (produtores de material científico). É o caso do historiador Carlos Zacarias, que, em entrevista ao jornal The Intercept Brasil, em 2021, conta ter recebido uma correspondência inesperada em sua casa. Se tratava de uma notificação extrajudicial de 11 páginas que dizia que o acadêmico, professor de história na Universidade Federal da Bahia, a UFBA, tinha o prazo de sete dias para publicar um “texto-retratação” da produtora Brasil Paralelo – em anexo estava um modelo de “direito de resposta” de três páginas. A notificação foi enviada após uma publicação feita por Zacarias no Facebook, onde criticava a produtora como “um canal que produz ‘conteúdo’ de história de caráter revisionista/negacionista”. Além deste, vários outros casos de assédio jurídico são registrados, seja nas redes sociais, em entrevistas jornalísticas, blogs, vídeos, etc.

Em 2024 é que surge a iniciativa Brasil Parasita, através de uma vontade comum entre criadores de conteúdos que utilizam de materiais científicos e estudos teóricos sérios na sua produção. Segundo a imunologista e divulgadora científica no podcast Escuta a Ciência, Letícia Sarturi, essa vontade era de “tentar criar um ecossistema de informação” para fazer frente ao grave ecossistema de desinformação que existe em vigor no Brasil, do qual a Brasil Paralelo se faz uma grande expoente. Letícia Sarturi faz parte da iniciativa Brasil Parasita, e coloca o projeto como “um ecossistema de informação”, capaz de gerar uma forma eficiente de combater a desinformação com conteúdos embasados em estudos científicos sérios, pois, segundo ela, “a luta contra a desinformação não pode ser só rebatendo cada desinformação que aparece nas redes… a gente tem que criar mesmo uma rede de informação”.
Em entrevista, Letícia bate na tecla dos amplos ecossistemas de desinformação que se formaram nas redes nos últimos anos, pois, ela ressalta, eles “têm grande alcance, porque eles estão relacionados a interesses individuais; interesses privados, e isso faz com que esses ecossistemas de desinformação tenham muito patrocínio para propaganda [e que] contem com vários influenciadores que têm milhões de seguidores para propagar esses conteúdos desinformativos”, e continua “esses influenciadores vão criando ecossistemas com criadores de conteúdo de humor, por exemplo, mas na entrelinhas desse conteúdo de humor há um conteúdo machista, […] racista, homofóbico”. Ela destaca, ainda, a presença de uma ideologia clara que se reproduz nesses conteúdos desinformativos, como os da BP, que é a ideologia da extrema direita, tendo como pretensão “a criação de políticas públicas a partir dessas ideologias racistas e machistas”, e cita o caso do documentário “Caso Maria da Penha”, que tem como meta trazer ao debate um amplo questionamento sobre a Lei Maria da Penha, principal legislação contra a violência contra a mulher no país, a fim de deslegitimá-la.
Em vista da urgência de iniciativas como o projeto Brasil Parasita, Sarturi se diz contente com as proporções que a iniciativa tem tomado. O vídeo manifesto da iniciativa, no canal Normose, chega já a quase 600 mil visualizações, e o sucesso da iniciativa ajuda também os criadores de conteúdo científico que fazem parte da iniciativa. Ela se toma como exemplo ao tocar no ponto do bom desempenho do seu Podcast, Escuta a Ciência, cujos dois episódios sobre a Brasil Parasita alcançaram as paradas dos podcasts nas plataformas. Portanto, o projeto ganha força, e Letícia não descarta a possibilidade de transformação do projeto numa organização mais concreta, como um instituto de combate à desinformação e ao negacionismo científico no país.
O Brasil Parasita organiza taticamente as suas ações de combate à desinformação da Brasil Paralelo em fases ou etapas: a primeira fase foi a semana Brasil Parasita, de 1 a 7 de abril – um período focado na produção de conteúdos de crítica à Brasil Paralelo e às suas produções por parte dos criadores de conteúdo envolvidos, com vídeos (principalmente), podcasts, artigos, etc. A segunda fase é denominada “Brasil Para Leigos”, e é vista pelos participantes da iniciativa, segundo Letícia, como uma grande expansão das atividades para muito mais criadores de conteúdo que expressaram interesse em contribuir na iniciativa. “A gente acredita que é importante sim fazer essas fases de ações, né?! De combate, de guerrilha, digamos assim”, explica com clareza Letícia, e conclui com a meta final “pra poder estimular a formação desse ecossistema de informação”. Sarturi adverte sobre essa divisão em etapas, no entanto, da importância de os criadores de conteúdo manterem a constância em sua produção contra a desinformação, independente da Brasil Parasita, já que essas fases da iniciativa, no fim das contas, têm um outro grande intuito: dar visibilidade aos canais de comunicação desses criadores e ajudar a impulsionar os seus conteúdos.

E é assim, pela ação coletiva, que se articula a construção orgânica de um ecossistema; uma rede socialmente responsável, ou até mesmo, como se inquieta no âmago, um raio consistente de esperança que aponta para um horizonte cuja construção, embora profundamente tortuosa e multifacetada, é possível.